segunda-feira, 18 de outubro de 2010
o mundo há de acabar
o mundo há de acabar, o já dito e repetido pelo misterioso rapaz que circula pela vizinhança, pregando a imparcialidade. caminha pelas ruas tranquilo, pouco visto, dialogando provavelmente com alguém que imagina ser seu amigo, o que o acompanha pelo trajeto de ensinamentos: o mendigo, recauchutado na boca todas as manhãs pelas polícias, chora. se viu assaltando um homem de terno marrom, transeunte qualquer, de rolex no pulso e pasta na mão. por um momento sentiu-se ludibriado pelo diabo, por deus, mas idealizou seu real motivo, a sobrevivência. desde esse dia tornou-se ateu. idealizou o inferno dos céus quando se deu conta de que os chutes, na barriga do estômago, matinais, haviam acabado, mas preferiu não comentar nada sobre o assunto com ninguém; por via das dúvidas, de modo a reafirmar sua posição religiosa, juntou-se com o pregador desconhecido, que alegava ter vindo das terras de jericó, filho de plutão e micalatéia - o homem que não se alimentava e cuja saliva era sangue; seus dentes manchados pelo vermelho da hemoglobina, absurdo do incomum e salvação dos infiéis. o curioso fato de somente ateus e niilistas poderem vê-lo não só impossibilitou a documentação do pregador, mas deu a ideia de que o mendigo era um homem afetado, que seguia uma pessoa inexistente aos olhos cristãos e judeus e muçulmanos e candomblés e hindus e etc. a repercussão dessa notícia pelo mundo causou transtorno, provocou conflitos étnicos-religiosos por todo planeta, que destruiu-se inteiramente dentro de dez anos. nunca mais se teve notícias do pregador, mas deduzimos que o mendigo morreu arregaçado pelas supostas autoridades.
domingo, 17 de outubro de 2010
mais inspira ções
Básico instrumento que rege uma orquestra é a teoria, de homens sérios e cronópios quaisquer, e para reger essa orquestra chamada vida num cubo mágico intrínseco se soluções semi-impossíveis é preciso adotar a teoria de homens engraçados e cronópios paradoxalmente fechados a si mesmos, numa condição de contra-contra-contra(di(c)ção). Classicismo é a chave do modernismo e a vida é um fichário universitário de espirais e folhas listradas e ilustradas com cães de narizes vermelhos numa colméia de conhecimento limitado às massas como o mel às formigas que caminham por debaixo desta casa de abelhas em Paris.
quinta-feira, 14 de outubro de 2010
inspira ção
Quanto é? / Treze mais a taxa de três e cinqüenta / Pega 20 e fica com o troco.
Entrou de viés no apartamento, preparou um café e sentou-se no sofá vermelho, à espera dela. O tempo corria e ele esperava; atento ao ponteiro dos segundos que perdurava na parede da cozinha, possível de ver por uma breve fresta entre a porta e a parede. A campainha tocou, foi atendê-la.
Chegou a hora
Andou apressado
Tropeçou no cão
Girou a maçaneta, mas estava trancada
Espere aí!
Voltou-se para dentro do apartamento, remexeu no seu cachecol nada achou. Já vou!
Abriu gavetas, chutou quinas descalço, procurou na cafeteira e nada. Buscou ajuda de um vizinho, que o atendeu caridosamente emprestando-lhe sua chave. Parou por um momento e pensou no que estava mesmo fazendo? Ah sim.
Abriu a porta
Pediu uma meia calabresa meia portuguesa?
Porra.
Bateu a porta.
Entrou de viés no apartamento, preparou um café e sentou-se no sofá vermelho, à espera dela. O tempo corria e ele esperava; atento ao ponteiro dos segundos que perdurava na parede da cozinha, possível de ver por uma breve fresta entre a porta e a parede. A campainha tocou, foi atendê-la.
Chegou a hora
Andou apressado
Tropeçou no cão
Girou a maçaneta, mas estava trancada
Espere aí!
Voltou-se para dentro do apartamento, remexeu no seu cachecol nada achou. Já vou!
Abriu gavetas, chutou quinas descalço, procurou na cafeteira e nada. Buscou ajuda de um vizinho, que o atendeu caridosamente emprestando-lhe sua chave. Parou por um momento e pensou no que estava mesmo fazendo? Ah sim.
Abriu a porta
Pediu uma meia calabresa meia portuguesa?
Porra.
Bateu a porta.
sexta-feira, 1 de outubro de 2010
É veneno!
O outono chegou e, com ele, pendurado às omoplatas, veio também o inescrutável: a recém-chegada à cidade chamada de Marie. No começo Malaquias tentou não se preocupar e não interagir, por receio ou mesmo por ser um rapaz especialmente taciturno; camponês, filho de pais escravos, cinco irmãos e uma irmã, levava uma vida razoavelmente sossegada, quando comparada a outros campesinos trabalhadores que sofriam de letargia e problemas respiratórios. Malaquias, ao contrário de toda população daquele pequeno ladarejo, era um jovem culto, adorava recolher-se no bosque, fugindo dos soldados reais, e deitar-se sobre as laranjeiras, empunhando seu livro até que caísse no sono. No fundo era uma pessoa romântica. Bem no fundo.
E o jovem camponês começou a se interessar por Marie. Interessou-se tanto que a mera admiração virou amor platônico.
Dias após o começo da obsessão, eis que, no vilarejo, é anunciada a chegada de Profane, homem inescrupuloso, convencido, herdeiro do rei Stencil e, como de se esperar, cobiçado por todas jovens do reino tão-tão distante. Veio num cavalo branco, escoltado por soldados da infantaria escocesa, com uma roupa parecida que dourada à ouro, de tão reluzente e chamativa. Moças de todo local e de todos os lugares se reuniram para vê-lo, enquanto Marie pendurava roupas no jardim de sua cabana. O príncipe, de longe, avistou-a, desceu do cavalo e dirigiu-se à ela, fascinado com a beleza da jovem. Qual é seu nome?, perguntava. Nunca vi olhos tão bonitos, dizia e futuramente repetia isso no seu castelo, nos cômodos aconchegantes da nobreza.
Tomado pelo desespero, Malaquias imaginou-se requisitando um duelo pela mão de Marie, mas a vida nobre é melhor para ela, constatava. Na tarde que antecedia o Inverno, exilou-se sobre o alto de uma montanha, pensativo. E do bolso apanhou um pequeno cantil d’água. Observando o horizonte, bebeu do líquido e depois de alguns minutos espirrou como se aspergisse a sua alma, desabando do penhasco como uma pedra apaixonada.
E o jovem camponês começou a se interessar por Marie. Interessou-se tanto que a mera admiração virou amor platônico.
Dias após o começo da obsessão, eis que, no vilarejo, é anunciada a chegada de Profane, homem inescrupuloso, convencido, herdeiro do rei Stencil e, como de se esperar, cobiçado por todas jovens do reino tão-tão distante. Veio num cavalo branco, escoltado por soldados da infantaria escocesa, com uma roupa parecida que dourada à ouro, de tão reluzente e chamativa. Moças de todo local e de todos os lugares se reuniram para vê-lo, enquanto Marie pendurava roupas no jardim de sua cabana. O príncipe, de longe, avistou-a, desceu do cavalo e dirigiu-se à ela, fascinado com a beleza da jovem. Qual é seu nome?, perguntava. Nunca vi olhos tão bonitos, dizia e futuramente repetia isso no seu castelo, nos cômodos aconchegantes da nobreza.
Tomado pelo desespero, Malaquias imaginou-se requisitando um duelo pela mão de Marie, mas a vida nobre é melhor para ela, constatava. Na tarde que antecedia o Inverno, exilou-se sobre o alto de uma montanha, pensativo. E do bolso apanhou um pequeno cantil d’água. Observando o horizonte, bebeu do líquido e depois de alguns minutos espirrou como se aspergisse a sua alma, desabando do penhasco como uma pedra apaixonada.
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